Coleção: Marta Neto

Certa vez a mãe disse-lhe que tinha nascido 10 dias depois do tempo e isso fez todo o sentido. Pensou que ter nascido em Abril de 1974 era muito mais poético do que nascer em Março, mas 10 dias depois... nunca mais iria recuperar esse tempo. Às vezes, sente-se como o coelho da Alice, sempre a correr, mas nem sempre foi assim. Na faculdade de Belas Artes, onde estudou Design Gráfico e fez o mestrado em Desenho, o tempo parecia passar ao ritmo certo, entre desenhos, fotografias e alguns sonhos com as aulas de pintura. Ou quando estudou Cenografia na Central Saint Martins em Londres e em Helsínquia, ou quando fez um Erasmus em Bruxelas. O tempo parecia estar certo, embora um pouco frio. Como primeiro trabalho fez parte da equipa de construção plástica do filme «A Suspeita», de José Miguel Ribeiro, e o tempo congelou no ecrã muitos momentos de aprendizagens maravilhosas. Mais tarde trabalhou num teatro, fez cenários para um casino, para uma biblioteca e para o Sabor a Palco. Nessa altura ainda tinha tempo. Depois não sabe bem o que aconteceu ao relógio, mas passou a andar muito, muito depressa, embora às vezes, quando ilustra um livro, quando ensina os seus alunos a desenhar, quando mergulha no mar, quando viaja, quando olha o céu estrelado, quando vai buscar os filhos à escola, quando está com a família e os amigos, nessa altura, parece que o tempo do seu relógio volta a ter as horas certas.